segunda-feira, 20 de outubro de 2008

"Homens que são como lugares mal situados"

Há dias assim, que nos escolhem para nos fazer pensar, reflectir, chorar, repensar e rir ...como hoje.
Há precisamente quatro anos entrei numa livraria desta terra que me acolhe e de repente ali estava o livro, este livro "Homens que são como lugares mal situados" . Naquela data foi um autêntico recado, um convite a mergulhar nas dores através de outros olhos .É sabido que tenho paixão pelas palavras, sobretudo porque são sempre um caminho, embora nem sempre saibamos onde nos levam.
Hoje voltei ao livro e não resisto a colocar aqui numa colagem livre, O autor precocemente falecido perdoar-me ia a ousadia, pois a poesia leva-nos nos trilhos de quem escreve ao íntimo de quem lê.

"...Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem(...)


(...)Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
do lugar(...)

(...)Homens que são como projectos de casas
Em suas varandas inclinadas para o mundo
Homens nas varandas voltadas para a velhice
Muito danificados pelas intempéries

Homens cheios de vasilhas esperando a chuva
Parados à espera
de um companheiro possível para o diálogo interior



... in Daniel Faria


Amanhã será outro dia , em que não pararemos talvez para o tal diálogo interior.

Há dias assim

Há dias como o de hoje em que nos sentimos perante a fúria dos elementos, por mais que tentemos ser, cumprir, fazer, estar... algo nos escapa-Não conseguimos nunca ser o que os outros esperam de nós, deveríamos sê-lo? Na realidade geramos nos outros expectativas que têm muito mais que ver com a projecção do seus desejos ou angústias do que com interesse e afecto real.
Desiludimo-nos muitas vezes ao verificar que sentimentos que deveriam estar indissociados do dever de cuidar são colocados em pratelereiras diferentes de cada um de nós, sendo até perversa a lei desta sociedade ao definir como maior e supostamente autónomo um filho de dezoito anos. Onde começa e acaba o amor e o dever de cuidar , de respeitar e ser respeitado enquanto pessoa?
Quem são os heróis nestas histórias de vida, em que uns tentamos arduamente apenas ser honestos para com os nossos deveres, sérios e justos, e outros se escudam em expedientes, desculpas, rancores, vírgulas da lei mas que mais ou menos impunemente vão vivendo "alegremente" ..
E depois disto, para além disto e com tudo isto ainda não desistisr, não baixar os braços, agarrar um sonho, um afecto, um amor ou carinho que nasce e sobrevive como flôr entre ervas daninhas, acolhê-lo, guardá-lo, porque é também dos poucos milagres que a vida ainda nos concede, não se aluga, não se compra nem vende apenas se sente , dá e recebe.
Será teimosia? obstinação? perserverança? milagre ou mistério?
Talvez tudo isto e a humildade de aceitar o que a vida nos dá. Se escolhermos muito a vida não damos espaço a que a vida nos surpreenda.